14.3.11

O último grande herói do jornalismo popular

Na foto ao lado, que faz parte do acervo de José Carlos Riccetti, Hélio Santos aparece todo serelepe na companhia do travesti Joyce. A boneca foi fonte de uma matéria do mestre sobre aplicação caseira de silicone nos travecos que queriam ter mamas.

São Paulo é o túmulo do jornalismo popular. Dois dos últimos jornais paulistas voltados para o povão foram sepultados em 2001: Notícias Populares e Diário Popular. Como não havia mais nenhum grande representante do gênero no estado de São Paulo, os cariocas do Meia Hora decidiram montar uma redação na capital paulista no ano passado. Em 4 de março de 2011, quase uma década depois da morte do NP e do Dipo, o Meia Hora de São Paulo também batia as botas, depois de divertir seus leitores durante sete meses. Mas isso é assunto para outro post.

Lembrei a agonia do jornalismo popular no maior estado do Brasil porque veio à tona, recentemente, a notícia da morte de Hélio Santos, o último jornalista veterano que ralava nas vielas da periferia em busca de casos policiais que seriam estampados num veículo impresso. Hélio Santos ficou desempregado aos 62 anos, após o Grupo Folha tomar a “decisão empresarial” de acabar com o NP. Depois disso, ele se tornou um sujeito recluso e não mantinha mais contato com os amigos.

Ninguém mais sabia do paradeiro do Hélio Santos, até que a revista Trip deste mês trouxe a bomba: Hélio Santos estava morto. E já fazia três anos. O furo foi do repórter Décio Galina, um orfão do NP que buscou abrigo na Trip assim que o jornal entrou em óbito. Décio descobriu que Hélio Santos morreu sozinho em casa, dois dias antes do Natal de 2007, depois de voltar do supermercado. “Comprou frango e morreu no Natal” é o título da matéria sobre a morte de Hélio publicada na última Trip. Um belo texto, acompanhado de uma grande ilustração que homenageia o extinto NP.

Vale a pena lembrar que alguns meses antes o repórter Bruno Lupion tentou descobrir o paradeiro de Hélio Santos. Ele me procurou perguntando se eu sabia do veterano jornalista. Eu tive o privilégio de conhecer o Hélio Santos no final dos anos 90 e trampar ao seu lado até o início dos anos 2000 (ele no NP, eu no Diário Popular), mas, como muitos amigos dele, não tinha o seu contato. Passei para o Bruno o telefone do motorista José Carlos Riccetti, que trampou com Hélio Santos. Nem o Zé Carlos e o fotógrafo José Maria da Silva sabiam por onde andavam o colega de trabalho. Isso não impediu o Bruno de escrever um texto bacana, intitulado “Black-tie mundo cão: em busca de Hélio Santos”.

Hélio Santos foi o último grande herói do jornalismo popular. Era um dos poucos idosos que ainda tinham espaço na imprensa para rodar pelas ruas de São Paulo (hoje os jornais preferem cada vez mais os repórteres mais jovens, pois eles têm saúde para aguentar as horas extras diárias que agora viraram rotina nas redações). Não tenho muito a acrescentar sobre Hélio Santos, pois quase tudo que sei dele aparece nos textos do Décio Galina e do Bruno Lupion. Lembro de uma conversa que tivemos no bar Estadão, no Centro de São Paulo, quando disse para ele que o pessoal da minha quebrada nunca falava tirombaço como sinônimo de disparo de arma de fogo. "Eu também nunca ouvi isso. É coisa de uns intelectuais da USP que apareceram no NP e pensam que podem falar como o pessoal da favela", disparou Hélio Santos.