4.12.12

Walter Gabarron: um emprego para 'Django'

Há pouco mais de três anos publiquei uma entrevista com o ator Walter Gabarron neste blog. Ela foi realizada em 1997, na época em que eu ainda estava na faculdade de comunicação. A intenção era fazer um tributo a um dos atores mais atuantes da fase explícita do cinema da Boca do Lixo. Após a publicação da entrevista, parentes de Gabarron entraram em contato comigo para agradecer a lembrança do ator. O ator Peter Aponte, que trabalhou com Gabarron nos filmes "Carnaval do sexo" (1986), "Pau na máquina" (1988) e "Nero, a loucura do sexo" (1990), entre outros, também viu a entrevista no blog e fez um breve comentário sobre essa época. Recentemente, recebi um e-mail do advogado Fábio Lima, que conheceu Gabarron antes de ele abraçar a carreira de artista. Lima conta detalhes de uma época marcante na vida de Gabarron. Após receber a autorização de Lima, compartilho a mensagem com os leitores de Mondo Cane:

"Gio, boa tarde.

Eu estava matando saudade de minha infância pobre e sofrida (não sei se tenho saudade ou só curiosidade pela referência que ela é), na internet, rastreando os lugares onde vivi, e lembrei-me de uma pessoa que eu conheci na infância e com quem tive alguma amizade e que viria, mais tarde a ser ator pornô, o Walter Gabarron. Através do Google, localizei a entrevista que você fez com ele e fiquei triste de saber que ele faleceu há alguns anos.

Tanto o Walter como eu não falamos da infância (pode notar a objetividade da resposta dele quando disse que morou em São Paulo, ponto!), do passado sofrido que cada um vivia a seu modo. Eu não era vizinho dele, nem conhecia a casa dele, mas o encontrava com frequência na estação de trem XV de Novembro, na zona leste, uma estação para lá de Itaquera, para quem pega o trem de subúrbio da Central do Brasil, que vai em direção a Mogi das Cruzes.

Gabarron, era assim que eu o chamava, era dois anos mais velho que eu e ambos éramos pobres e vivíamos em busca de emprego, nas agências de serviço temporário do centro de SP. A gente pegava o trem de manhã e passava o dia andando na cidade, em busca de algum bico, de algum emprego. Vez ou outra um sumia do outro, mas, semanas e meses depois, a gente se esbarrava e voltava a caminhar no centro, ou na Penha de França, numa vida bem difícil.

Havia, entretanto, algo que vale registrar: o Gabarron era um rapaz que gostava de se vestir bem. Era sempre a mesma roupa, na maioria das vezes, mas era caprichada, limpa, bonita. E ele tinha uma presença, uma forma de se apresentar que impressionava as pessoas. Tem mais: ele era um homem bonito (na Internet não se vê fotos dele e eu nunca vi um filme pornô em que ele estivesse), mas lembro que a gente entrava numa agência bancária e as funcionárias paravam, olhando para ele. Ele cultivava uma barba bem feita e andava num jeito a "la Django", que atraia as pessoas. Era interessante.

E ao mesmo tempo, ele era um rapaz muito pobre, que sonhava em trabalhar, ganhar dinheiro, enriquecer, como qualquer um dos jovens daqueles anos de 1974, 1975. Eu lembro que ele me disse que, numa das agências de emprego em que a gente ia (e onde a moça que nos atendia tinha uma quedinha por ele, mas provavelmente não um envolvimento), ele foi encaminhado para um serviço temporário no Playcenter, para representar, dançar. Ele me disse que não era isso que ele queria, que ele preferia um escritório, mas a moça disse que ele tinha pinta de ator e que ele devia tentar. E ele deve ter ido...como sua entrevista revela.

Eu não me lembro mais de ter encontrado com ele depois. Eu segui minha rotina, também consegui me libertar daquela vida sofrida, estudando muito, e, anos depois, ouvi uma menção ao nome do Gabarron, talvez num jornal (na Folha?), associando ele a filmes pornôs, algumas afirmativas de que ele era gay (e aí eu fiquei indignado, porque, pelo menos nessa época, a gente era macho e gostava de mulher), mas fui seguindo minha vida e agora vejo a notícia do seu fim....

Mas algo me alegrou nisso tudo (apesar de eu ter sentido muito a morte prematura do meu amigo de sofrimento na infância): é o fato de ele ter deixado um casal de filhos, muito provavelmente pessoas dignas que, se souberem deste passado sofrido dele, da fase de infância, devem ter orgulho do pai que foi, além de um marco na indústria de filmes (do que eu não entendo, mas tem sua importância), um verdadeiro lutador, um verdadeiro sobrevivente"
.

Para reler a entrevista completa de Walter Gabarron, clique aqui, aqui, aqui e aqui.

18.9.12

Roberto Farias e Eva Wilma falam sobre filme policial em mostra

A Cinemateca Brasileira homenageia o cineasta Roberto Farias, apresentando uma retrospectiva de sua obra. Reunindo todos os filmes dirigidos pelo realizador, que completou neste ano 80 anos, e a maior parte de sua filmografia como produtor, a mostra é uma realização do Centro Cultural Banco do Brasil e conta com a curadoria dos pesquisadores João Luiz Vieira e Tunico Amancio. Produzida pela Jurubeba Produções, e co-produzida pela Cinemateca, a homenagem inclui debates e a exibição de 16 filmes em novas cópias 35mm especialmente confeccionadas pela Cinemateca para esta ocasião.

Diretor, produtor, distribuidor, empresário e articulador de políticas públicas para o setor cinematográfico à frente da Embrafilme nos anos 1970, Roberto Farias é dono de uma extensa trajetória profissional que se confunde com momentos capitais da história do cinema brasileiro. Nascido em 27 de março de 1932, em Nova Friburgo (RJ), iniciou sua carreira como assistente nos estúdios da Atlântida no começo dos anos 1950, trabalhando e aprendendo o ofício ao lado de diretores como Watson Macedo, José Carlos Burle e J. B. Tanko. Entre 1956 e 1957, já familiarizado com a dramaturgia das comédias musicais feitas pela produtora carioca, dirigiu seu primeiro filme, a chanchada Rico ri à toa, estrelada pelo comediante Zé Trindade. Valendo-se do sucesso de bilheteria da obra, realizou nova comédia musical, No mundo lua (1958), com a participação de seu irmão Reginaldo Faria no elenco. Logo depois, dirigiu a Cidade ameaçada, lançado em 1960, com a atriz Eva Wilma no elenco. Sua primeira incursão pelo filme policial, sucesso de público e crítica, Cidade ameaçada concorreu à Palma de Ouro do Festival de Cannes, ao lado de produções de Bergman, Ichikawa, Saura, Buñuel, Antonioni e Fellini, que venceu a premiação com A doce vida. Nesta época, despertou interesse dos cinemanovistas, especialmente de Glauber Rocha. Voltou à chanchada com Um candango na Belacap (1961) e novamente ao filme policial com O assalto ao trem pagador (1962), clássico absoluto do gênero no país, responsável por consagrar sua carreira como diretor. Ainda no início dos anos 1960, realizou o drama rural Selva trágica (1964), saudado por Glauber, e constituiu, ao lado dos irmãos Reginaldo e Riva Faria, a R. F. Produções Artísticas. Em 1964, disposto a enfrentar as dificuldades de distribuição encontradas pelo cinema brasileiro no mercado, fundou a Difilm, iniciativa elogiada pelos jovens diretores da nouvelle vague.

Já apresentada no CCBB Rio, e em cartaz no CCBB SP entre os dias 05 e 16 de setembro, a mostra OS MÚLTIPLOS LUGARES DE ROBERTO FARIAS ainda apresenta em novas cópias 35mm a imperdível trilogia pop estrelada por Roberto Carlos, o contundente Pra frente Brasil (1982), longa sobre os anos de chumbo, dentre outras produções há muito ausentes das telas como a rara comédia erótica Os paqueras (1969) e o policial inspirado na obra de Plínio Marcos, Barra pesada (1977), ambos dirigidos por Reginaldo Faria e produzidos por Roberto Farias e seu irmão Riva Faria. No dia 18 de setembro, às 20h00, data de abertura da mostra na Cinemateca, Roberto Farias e Eva Wilma conversam com o público sobre a criação e os bastidores de Cidade ameaçada, após a projeção do filme.

Veja a programação completa aqui.

Fonte: Cinemateca Brasileira

Fotos: Divulgação

30.8.12

Clery Cunha é homenageado na mostra Cinema da Boca

O diretor e ator Clery Cunha é um dos remanescentes da Boca do Lixo, antigo polo de produção cinematográfica localizado no bairro da Luz, no centro de São Paulo. Ele é o homenageado de setembro no “Cinema da Boca”, projeto exibido no Cine Olido que visa resgatar importantes filmes, diretores, atores e produtores que atuaram na Boca paulistana. Entre os dias 7 e 13, serão exibidos nove de seus trabalhos.

Com mais de cinco décadas de carreira, Cunha realizou filmes como “O Outro Lado do Crime”, com José Lewgoy, “O Rei da Boca”, com Roberto Bonfim, “Joelma 23º Andar”, com Beth Goulart, e “Eu Faço... Elas Sentem”, com Antônio Fagundes.

Começou como cabo man na TV Tupi e teve o primeiro contato com cinema em 1956, como figurante de “Lampião, O Rei do Cangaço”, de Carlos Coimbra. “Eu segurava a cabeça da personagem Maria Bonita e gritava ‘venham ver o homem que tinha o corpo fechado’. Foi uma emoção”, afirma. No mesmo período, frequentava o restaurante Costa do Sol, localizado na Rua Sete de Abril, no centro. “Aquele era o ponto de encontro do pessoal do cinema e da música, como os cantores Agnaldo Rayol e Maysa. Lá, Constantin Katchenko me convidou para a primeira assistência de direção, no filme ‘Idílio Proibido’”. No ano seguinte, em 1972, dirigiu seu primeiro longa, “Os Desclassificados”. O filme foi inspirado em um caso verídico, característica que marcaria seu estilo no cinema.

Cunha também foi diretor do programa do SBT “Aqui Agora”, que consagrou o apresentador e locutor Gil Gomes. “Quando a audiência baixava, nós fazíamos reconstituições de crimes. No primeiro ‘Câmeras Escondidas’, simulei uma briga e um assalto no quarteirão do Cine Marabá, na República”, relembra. Autodidata na sétima arte, o cineasta utilizou-se de técnicas televisivas de apelo popular em toda sua filmografia. “‘Joelma 23º Andar’, por exemplo, foi filmado com cinco câmeras, uma revolução para a época”, explica. “Essa mobilidade me valia muito e consegui unir a agilidade da TV com as particularidades do cinema.”

Serviço
Galeria Olido
Avenida São João, 473, Centro
Telefones: 3331-8399 e 3397-0171
De 7 a 13 de setembro
Grátis

Confira a programação completa:

CINEMA DA BOCA: CLERY CUNHA
GALERIA OLIDO | CINE OLIDO | CENTRO | DE 7 A 13 | +16 ANOS | R$ 1


O projeto procura resgatar as produções realizadas no polo cinematográfico da Boca do Lixo e exibe, neste mês, filmes de Clery Cunha. Ele foi cabo man da TV Tupi, ator e estreou, como diretor, no longa “Os Desclassificados”, em 1972. O filme foi inspirado em um caso verídico, característica que marcaria seu estilo no cinema.
| Todas as projeções têm suporte em DVD.

A PEQUENA ÓRFÃ
(Brasil, 1973, 81 min). Dir.: Clery Cunha. Com Patrícia Ayres, Dionísio Azevedo, Noite Ilustrada e outros.
Adaptação para o cinema de uma novela homônima de sucesso da TV Excelsior, apresentada entre 1968 e 1969, da qual Cunha foi assistente de direção. Os protagonistas são os mesmos atores que participaram da teledramaturgia.
| Dia 7, 15h. Dia 13, 17h

PENSIONATO DE MULHERES
(Brasil, 1974, 90 min). Dir.: Clery Cunha. Com Magrit Siebert, Helena Ramos, Silvana Lopes e outros.
Garota chega do interior e se hospeda em um pensionato de mulheres em São Paulo. Uma fatalidade com uma das garotas somada ao fato de não se adaptar ao novo ambiente fazem com que ela decida voltar para sua terra.
| Dia 7, 17h. Dia 11, 19h30

JOELMA 23º ANDAR
(Brasil, 1979, 80 min). Dir.: Clery Cunha. Com Beth Goulart, Liana Duval, Vilma Camargo e outros.
Ao perder a filha durante o incêndio do Edifício Joelma, no centro de São Paulo, a mãe procura o médium Chico Xavier na esperança de receber uma mensagem.
| Dia 7, 19h30. Dia 11, 17h

MARIA, NOSSA MÃE APARECIDA
(Brasil, 76 min). Dir.: Clery Cunha. Com Darcy Silva, Luiz Serra, Rosa Guimarães e outros.
História sobre como foi encontrada, por pescadores, a imagem da Virgem Conceição nas águas do Rio Paraíba, elucidada por depoimento de especialistas.
| Dias 8 e 12, 15h

O OUTRO LADO DO CRIME
(Brasil, 1978, 95 min). Dir.: Clery Cunha. Com José Lewgoy, Marineide Vidal, Liana Duval e outros.
Homem casado com uma mulher pouco atraente se apaixona por uma bela garota vinda do interior e começa a gastar muito dinheiro para conquistá-la.
| Dia 8, 17h. Dia 13, 15h

OS DESCLASSIFICADOS
(Brasil, 1972, 95 min). Dir.: Clery Cunha. Com Jesse James Barbosa, Roberto Bataglin, Joana Fomm e outros.
Apaixonado pela madrasta, rapaz se vinga de todos os que se colocam entre os dois.
| Dia 8, 19h30. Dia 12, 17h

EU FAÇO... ELAS SENTEM
(Brasil, 1975, 85 min). Dir.: Clery Cunha. Com Antônio Fagundes, Magrit Siebert, Walter Portela e outros.
Moça fica desconfiada que seu noivo, inesperadamente, começa a agir como mulher, sem saber que ele tem uma irmã gêmea.
| Dia 9, 15h. Dia 12, 19h30

O REI DA BOCA
(Brasil, 1982, 120 min). Dir.: Clery Cunha. Com Roberto Bonfim, Zaira Bueno e outros.
Rapaz da roça tenta ganhar a vida no garimpo, mas é torturado depois que some uma pepita de ouro. Ao matar quem o acusou do roubo, foge para São Paulo e se torna um poderoso criminoso na Boca do Lixo.
| Dia 9, 17h. Dia 13, 19h30

SANTO EXPEDITO URGENTE
(Brasil, 1975, 85 min). Dir.: Clery Cunha. Com Reynaldo Sapucaia, Yara Loursi, Zé da Ilha e outros.
Funcionário que trabalha em telhados cai de uma grande altura e fica em coma por 55 dias.
| Dia 11, 15h

Fonte: Secretaria Municipal de Cultura

Crédito da foto: blog Estranho Encontro

9.7.12

Carlos Reichenbach: uma semana de homenagens em três mostras cinematográficas

O cineasta Carlos Reichenbach morreu em 14 de junho, no mesmo dia em que completou 67 anos de idade. Não consegui ir no seu velório, no Museu da Imagem e do Som (MIS), e, por isso, fiquei triste duas vezes. A segunda por não ter presenciado a poética homenagem dos amigos de Carlão, que cantaram "Parabéns pra você" durante o velório para não deixar o aniversário de Reichenbach passar em branco.

Carlão nasceu em Porto Alegre, mas era paulistano de alma e coração. Um dos principais nomes do cinema da Boca do Lixo, Reichenbach foi o cineasta que provavelmente mais retratou São Paulo em seus filmes. Menos de um mês depois de sua morte, Carlão será homenageado em três mostras cinematográficas na cidade. Uma baita oportunidade para quem quiser conhecer o trabalho genial de Reichenbach.

Amanhã começa na Cinemateca Brasileira a mostra "A Boca em Roterdã", que reapresentará vários filmes da Boca do Lixo exibidos na mostra "The Mouth of Garbage - Subculture and Sex in São Paulo 1967-1987", destaque da última edição do Festival Internacional de Cinema de Roterdã. Em seu primeiro dia, a Cinemateca exibirá dois filmes de Carlão em em novas cópias 35mm: "Lilian M: Relatório Confidencial" e "Império dos Desejos". Veja a programação completa aqui.

Também nesta terça-feira, o Cinusp Paulo Emílio dá início à mostra "Homenagem a Carlos Reichenbach", com a projeção de vários filmes do cineasta. A relação dos filmes pode ser conferida aqui. E no dia 14 de julho, o Cine Olido fará uma sessão especial para homenagear Carlão. Nesse dia, serão exibidos "Dois Córregos", "Alma Corsária" e "Bens Confiscados". O site do Cine Olido é esse aqui.

6.7.12

E assim... conheceram as maravilhosas histórias de Coisas Eróticas

Amanhã fará 30 anos que o primeiro filme pornô brasileiro foi exibido no Cine Windsor, na Avenida Ipiranga, 974, no centro de São Paulo.

No dia 7 de julho de 1982, filas imensas se formaram na calçada do cinema por uma multidão ávida em conferir se nossos atores e atrizes eram pau (e xoxota) para toda obra.

Para comemorar a data, Hugo Moura, Denise Godinho e Bruno Graziano vão lançar o documentário A Primeira Vez do Cinema Brasileiro no mesmo local em que Coisas Eróticas fez história.

O trio de diretores correu atrás de maravilhosas histórias para contar a trajetória de Coisas Eróticas, filme do italiano Raffaele Rossi que entrou em cartaz em plena ditadura militar e apenas dois dias depois de o Brasil ser eliminado da Copa pela seleção da Itália.

Em um trabalho incansável e de perseverança, Hugo, Denise e Bruno localizaram personagens que trabalharam no filme e que até então ninguém sabia do paradeiro deles.

Paralelamente à direção do documentário, Hugo e Denise escreveram um livro delicioso sobre Coisas Eróticas, que traz muitos detalhes sobre o filme que acabaram não entrando no documentário.

Quem quiser saber como Coisas Eróticas entrou para a história do cinema, não pode perder a oportunidade de, quem sabe, enfrentar uma fila imensa neste sábado para ver o documentário e também uma nova exibição do primeiro filme pornô tupiniquim. E conferir também um bate-papo com atores de Coisas Eróticas, parentes do cineasta Raffaele e os diretores de A Primeira Vez do Cinema Brasileiro.

Mais uma vez Coisas Eróticas fará história.

Programação

18:00 – Abertura do coquetel de lançamento

19:00 – Exibição de “A Primeira Vez do Cinema Brasileiro”

20:30 – Coquetel de intervalo

21:00 – Bate-papo com atores e equipe de “Coisas Eróticas”

22:00 – Exibição de “Coisas Eróticas”


Para ver o trailer de A Primeira Vez do Cinema Brasileiro, clique aqui.

23.6.12

A primeira vez em uma sala especial

Quase beirando os 40 anos de idade, pela primeira vez na vida vou assistir a um filme pornográfico em uma sala de cinema. No dia 7 de julho completam-se 30 anos da exibição de Coisas Eróticas, o primeiro filme pornô brasileiro, que foi produzido em São Paulo. Para comemorar a data, os jornalistas Hugo Moura e Denise Godinho vão lançar o documentário A Primeira Vez do Cinema Brasileiro, no Cine Windsor, mesmo local onde milhares de paulistanos (e também moradores da cidade que nasceram em outros Estados e países) disputaram uma cadeira em 1982 para ver coisas muito mais que eróticas. Junto com o documentário será exibido também o primeiro pornô brasileiro.

Quando o cineasta Raffaele Rossi começou a planejar a direção de Coisas Eróticas no ano de 1981 em seu escritório na Boca do Lixo, eu ainda não tinha completado 8 anos. Rossi estava empolgado com o lançamento no Brasil do filme japonês Império dos Sentidos, em plena ditadura militar. Considerado um filme de arte, Império chamou a atenção por algumas cenas de sexo explícito que recheavam a história de um amor obsessivo e doentio entre uma empregada e seu patrão. O filme, dirigido por Nagisa Oshima, em 1976, foi liberado sem cortes pelo Conselho Superior de Censura em 11 de setembro de 1980, depois de ter sido exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo graças a um mandado judicial.

Rossi percebeu que poderia ficar rico (e ficou) ao explorar o filão da sacanagem. Se Império já tinha causado tanto auê com míseras sequências de sexo explícito, como o público brasileiro reagiria diante de uma filme totalmente pornográfico e com atores e atrizes falando a sua língua? A recepção do povo foi imediata, com imensas filas tomando a calçada da Avenida Ipiranga, no centro de São Paulo, desde que o filme estreou no Cine Windsor. Cópias de Coisas Eróticas percorreram outras salas do Brasil. Oficialmente, 4,7 milhões de pessoas viram o filme. Mas os herdeiros do cineasta acreditam que esse número seja muito maior, pois a fiscalização do público era falha na época.

O lançamento do primeiro filme pornográfico brasileiro foi o começo do fim do cinema popular feito em São Paulo, principalmente das pornochanchadas (que lotavam as salas desde os anos 70), essas sim eróticas, mas hoje inocentes perto de muita coisa mostrada atualmente na televisão. Por causa do sucesso de Coisas Eróticas, os exibidores só queriam levar para as telas filmes libidinosos. Para poder pagar as contas no final do mês, diretores de renome como José Mojica Marins, o Zé do Caixão, Alfredo Sternheim e Ody Fraga tiveram de aderir ao pornô. Mas o mercado de filmes pornográficos entrou em decadência quase uma década depois, com a chegada dos aparelhos de videocassete no País.

Em 1988, tentei entrar pela primeira vez em um cinema pornô, mesmo tendo 14 anos de idade. Peguei a carteira de trabalho de um amigo que na época tinha 18 anos e se parecia comigo. Só tive o trabalho de descolar a foto dele do documento e colar uma minha, na qual ostentava um bigode ralo e mais sem-vergonha que o próprio filme que gostaria de ver. Não lembro qual filme estava em cartaz no Cine Plaza, no Largo 13 de Maio, em Santo Amaro, zona sul, mas entrei na fila confiante que o bilheteiro iria engolir a minha falsificação grosseira. Não tive a oportunidade de tirar essa prova, pois os ingressos acabaram justamente no momento em que chegou a minha vez de comprar.

Após a frustrada experiência, nunca mais tentei colocar os pés em um cinema pornô novamente. Anos depois, assisti em vídeo a quase todos os filmes do gênero produzidos na Boca e me tornei um pesquisador do assunto. Agora chegou a hora de tirar o atraso, mas dessa vez profissionalmente.

Texto publicado originalmente na edição de 17 de fevereiro de 2012 do Jornal da Tarde

29.5.12

Que beleza de curral

Daqui algumas horas estreia a quinta edição de A Fazenda, reality show produzido pela Rede Record. ,Dessa vez tem mulheres para todos os gostos: Ângela Bismarchi (a versão feminina de Frankenstein), Gretchen (cantora que já rebolou em filme pornô), Nicole Bahls (ex-panicat marombada, mas mesmo assim gostosa), Penélope Nova (ex-VJ e ex-gordinha), Robertha Portella (ex-dançarina do Domingão do Faustão) e as sambistas Shayene Cesário, Simone Sampaio e Viviane Araújo (ex-Belo que tem o mais belo derriere de todas as participantes). Qual delas você gostaria de levar para a roça?

20.2.12

Pio, o cineasta ignorado pela cidade


Não foi mera coincidência. No mesmo mês em que o poder público adotou a política da “dor e sofrimento” para tentar escorraçar os usuários de droga da cracolândia, a região perdeu um de seus moradores mais ilustres. Assim como os “noias” que ainda vagam pelo bairro da Santa Ifigênia, agora driblando o olhar de um batalhão de policiais, o italiano Pio Zamuner passou décadas desprezado pela cidade, apesar de sua importância para o cinema brasileiro.

Pio morreu aos 76 anos no dia 20 de janeiro, mas continuou vítima da indiferença. Não ficamos sabendo pelos jornais ou pelos programas de televisão que o italiano que dirigiu 12 filmes de Mazzaropi havia nos deixado no mesmo ano em que será comemorado o centenário do comediante que imortalizou a figura do Jeca na tela grande.

Nenhum governante decretou luto oficial para homenagear Pio por sua contribuição para a cultura brasileira. Quase ninguém sabe que a região da cracolândia, onde Pio fixou residência durante 44 anos na Rua dos Andradas, foi um grande centro de produção de filmes entre os anos 60 e 80.

Nessa época áurea, a região era conhecida como Boca do Lixo. Cineastas, técnicos, atores e atrizes conviviam harmoniosamente com as prostitutas que ganhavam a vida nas ruas do centro. Também deviam circular traficantes pelo pedaço, mas nada comparado ao grande mercado de drogas a céu aberto em que se transformou a região nos últimos 20 anos.

“Ninguém mexia com a gente naquela época. Todo mundo se respeitava”, disse-me Pio pela enésima vez em um dos últimos encontros que tivemos em um bar na Rua do Triunfo, onde o italiano adorava tomar uma cachacinha como bom brasileiro.

Apaixonado pelo cinema, Pio gostava de lembrar que tinha trabalhado como técnico para cineastas como Walter Hugo Khouri, Anselmo Duarte e Carlos Coimbra. E também lamentava a chegada dos filmes de sexo explícito nos anos 80, o que para ele ajudou a acabar de vez com o cinema popular que era feito na Boca do Lixo.

Com o passar dos anos, Pio passou a ficar preocupado com o crescente movimento de “noias” na região. “A Boca foi esquecida pelos governantes e até pelo povo do cinema”, disse-me certa vez. Mesmo assim, ele e o inseparável amigo, o também cineasta Rodrigo Montana, de 71 anos, nunca abandonaram a região. Para a infelicidade de Montana, agora ele se tornou o morador mais ilustre da área.

Mesmo com a morte de Pio, Montana não se verá livre tão cedo do bom papo do italiano. “Acho que ele apareceu dias desses para falar comigo”, contou-me, recentemente por telefone, o cineasta que sempre acreditou na comunicação com espíritos. A essa hora Pio também já deve ter encontrando o Jeca no céu e colocado a fofoca em dia.

O começo do ano realmente foi de dor e sofrimento para a turma da Boca. Em menos de duas semanas, outro estrangeiro que ajudou a abrilhantar o cinema brasileiro nos deixou porque também enfrentava problemas de saúde. Se a partida de um cineasta que fez carreira como diretor de grande parte das obras de Mazzaropi, um fenômeno de bilheteria, foi completamente ignorado pela mídia, não é se de admirar a ausência de notícias sobre a morte do chinês John Doo aos 69 anos.

Acho que é exigir muito da curta memória do brasileiro que ele se lembre de que John Doo foi diretor de filmes. Talvez apenas os amantes e estudiosos do cinema vão recordar das realizações dele atrás das câmeras. Quem tinha mais de 18 anos para entrar no cinema no início dos anos 80 certamente se lembrará do John Doo ator em papéis marcantes como o do pasteleiro que mata prostitutas para ter o principal ingrediente da sua iguaria. Nunca o nosso cinema foi tão gostoso.

Texto publicado originalmente na edição de 12 de fevereiro de 2012 do Jornal da Tarde