11.7.07

Ele quer o triunfo do cinema paulista

A história de Rodrigo Montana, que quer resgatar a memória de artistas com a exibição de filmes no famoso cruzamento da Boca do Lixo

O grande centro produtor do cinema paulista nasceu no cruzamento da Rua Triunfo com a Rua Vitória, na Santa Ifigênia, região central de São Paulo, que ficou conhecida como Boca do Lixo. Fazendo jus aos nomes das vias públicas, o auge da produção cinematográfica ali aconteceu durante os anos 70. Nos dias de hoje, um senhor de 67 quer resgatar a história do cinema paulista, transformando o cruzamento numa sala de cinema, com a exibição gratuita de filmes para a população aos finais de semana.

O nome desse senhor é Cariolano Rodrigues Mineiro, que nasceu em Assis, a 444 quilômetros de São Paulo, e prefere ser chamado de Rodrigo Montana. Com 10 anos de idade, Montana começou no ofício de peão de boiadeiro. Ele tocava a boiada por estradas de São Paulo, Paraná e Mato Grosso. Mas aos 7 anos, o ex-peão já sonhava em trabalhar no cinema. "Eu assistia filmes do Roy Rogers e do Zorro nas matinês e dizia pros outros que um dia eu também estaria na tela".

Montana lembra que a oportunidade de entrar de vez para o mundo do cinema surgiu quando ele ainda era funcionário do setor de serviços gerais do Sport Club Corinthians Paulista em 1965, conforme comprova sua antiga carteira de trabalho. Nessa época ele ficou sabendo que diretores e técnicos se reuniam no Bar Costa do Sol, na Rua Sete de Abril, Centro de São Paulo. "Foi ali que consegui fazer uns testes e comecei como figurante nos filmes", recorda Montana.

Uma de suas principais atuações como figurante foi no filme "Corisco, o Diabo Loiro", dirigido por Carlos Coimbra em 1969. Nos anos seguintes, Montana dividiu as atividades de ator e assistente de produção em filmes do gênero faroeste como "Um Pistoleiro Chamado Caviuna" (1971), "Quatro Pistoleiros em Fúria" (1972) e "Trindad... é meu Nome" (1973), todos dirigidos por Edward Freund, um polonês radicado no cinema da Boca. "Eu era bom para morrer nos filmes. Fazia os vilões e nos filmes todo bandido morre", diz o ex-peão.

Depois de trabalhar com outros diretores consagrados, como José Mojica Marins, o Zé do Caixão, e Fauzi Mansur, Montana decidiu que era hora de ele mesmo rodar um filme. E em 1979 começou a filmar "Rodeio de Bravos", cuja maior parte da história se passa na cidade de Barretos, no interior paulista. Mas Montana não conseguiu levar sua obra para as telas dos cinemas de São Paulo. No ano seguinte chegava ao Brasil o filme japonês "O Império dos Sentidos", que trazia cenas de sexo explícito.

A partir de então, os exibidores paulistas só queriam lançar filmes com cenas semelhantes. "Queriam que eu inserisse cenas pornográficas no 'Rodeio de Bravos' e eu não quis. A pornografia acabou com o cinema paulista", afirma Montana. O filme do ex-peão só passou em dois cinemas em 1983: no Cine Ouro Verde, em Dourados (RS), e no Cine Rio Brilhante, em Rio Brilhante (MS). Com o fim do cinema da Boca, que era bancado com recursos próprios, Montana se dedicou às produções de rodeios e festas country.

Craques da película no lugar da Cracolândia

Já aposentado, Rodrigo Montana decidiu criar em 25 de julho de 2003 a "Associação São Paulo, a Cidade e o Cinema". Segundo Montana, o principal objetivo da entidade é resgatar a memória do cinema paulista, desconhecida pela maior parte da população. "Muitos jovens de hoje não sabem que 'O Pagador de Promessas' (de 1962) ganhou a Palma de Ouro em Cannes. O diretor desse premiado filme é Anselmo Duarte, um dos vários cineastas que passaram pela Boca do Lixo. "Ele merece ter um busto aqui na região", diz Montana.

Depois de conseguir estrear no cinema, o novo sonho do ex-peão é conseguir apoio da Prefeitura para realizar exibições gratuitas dos principais filmes da "Boca do Cinema" (Montana detesta a expressão Boca do Lixo) em plena rua. O ex-peão de boiadeiro já encaminhou ofícios para a Subprefeitura da Sé e espera contar com o apoio do órgão público para exibir filmes ao ar livre sempre, aos domingos, na Rua do Triunfo, entre as ruas Vitória e dos Gusmões. "Com a revitalização do Centro, a idéia é transformar isso aqui em uma rua de lazer", observa o ex-peão.

Em dezembro do ano passado, Montana teve a oportunidade de ter a ajuda da Prefeitura e pôde exibir duas obras cinematográficas para a população em um final de semana. Comerciantes da região cederam cadeiras para o público se sentar e conferir os filmes "Sedução" (1974), de Fauzi Mansur, e "Menino da Porteira" (1977), de Jeremias Moreira Filho. "O povo adorou e compareceu", recorda Montana, que também gostaria de oferecer à população apresentações de shows folclóricos e de rodas de capoeira, entre outras manifestações artísticas.

Montana acredita que a transformação da Rua do Triunfo em rua de lazer fará com que a região deixe de vez de ser conhecida como Cracolândia, por causa da presença dos usuários de pedras de crack. "Em vez disso, vamos oferecer os craques do cinema", brinca Montana, repetindo um trocadilho que ouviu do colega cineasta Luiz Gonzaga dos Santos, também integrante da associação. "Meu sonho é acabar com a Cracolândia e criar a Broadway paulistana", finaliza o ex-peão, sonhando alto.

Alguns momentos do Cinema da Boca do Lixo

1956 - A Cinedistri se instala na Rua do Triunfo. A companhia cinematográfica tinha sido criada sete anos antes por Oswaldo Massaini.

1962 - O filme "O Pagador de Promessas", dirigido por Anselmo Duarte e produzido pela Cinedistri, ganha a Palma de Ouro em Cannes.

1964 - O diretor José Mojica Marins lança "À Meia-Noite Levarei sua Alma", primeiro filme de seu personagem Zé do Caixão.

1967 - O ex-caminhoneiro Ozualdo Candeias dirige seu primeiro longa-metragem, "A Margem", um clássico do chamado Cinema Marginal.

1968 - Os produtores Antonio Polo Galante e Alfredo Palácios criam a produtora Servicine, responsável na realização de filmes com baixo orçamento.

1968 - O diretor Rogério Sganzerla lança seu primeiro longa-metragem, "O Bandido da Luz Vermelha", uma das obras-primas da Boca.

1972 - A ex-miss Vera Fisher estréia no cinema no filme "Sinal Vermelho - As Fêmeas", dirigido por Fauzi Mansur. Os filmes começam a apostar no erotismo por causa do público.

1974 - As estrelas Helena Ramos e Matilde Mastrangi fazem sua estréia no Cinema da Boca no filme "As Cangaceiras Eróticas", de Mauro Roberto.

1977 - O produtor David Cardoso resolveu estrear na direção com "19 Mulheres e um Homem", seu maior sucesso comercial até hoje.

1978 - O diretor José Miziara lança "O Bem-Dotado, O Homem de Itu", uma das várias pornochanchadas (comédias maliciosas) que atraíam o público para o cinema nos anos 70.

1982 - O diretor Rafaelle Rossi lança "Coisas Eróticas", primeiro filme brasileiro com cenas de sexo explícito e grande sucesso de bilheteria. A partir daí o gênero pornô predomina na Boca do Lixo.

1989 - O cinema da Boca do Lixo agoniza.

Um comentário:

MARIA disse...

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